Ilha dos Cachorros
Pode-se acusar o cinema de Wes Anderson de tudo, menos de falta de criatividade. Há uma capacidade no cineasta de trazer temas simples e já batidos sob uma ótica completamente original. Pode causar estranhamento em muitos momentos, mas é encantador em seus aspectos estéticos e capaz de nos envolver de maneira única.
Ilha dos Cachorros é sobre a velha relação do homem com o seu “melhor amigo”, que, de quebra, traz a velha rixa cão e gato, ainda que sutil, como se um ser humano só pudesse amar um ou outro animal. Toca também em relações familiares, regimes totalitários, relações internacionais, pesquisas científicas e combates a epidemias.
Em um Japão fictício o malvado prefeito Kobayashi assina um decreto que bane todos os cães para uma ilha na costa oeste do país. Responsáveis por uma doença, até então, incurável, os animais são um risco para a saúde da população. Atari, o sobrinho do governante, não aceita a ordem e vai até a ilha resgatar seu cão Spots, sendo ajudado por um grupo de cães liderados pelo vira-latas Chief.
A doença parece ser o que menos importa nessa trama. Sempre com um símbolo de gato em seus objetos pessoais, o ditador Kobayashi simplesmente odeia os cães e manipula informações para ter a opinião pública a seu favor. Ainda que boa parte dos japoneses amem seus cães, não deixa de ser intrigante que, fora Atari, a voz que lidera protestos é de uma garotinha estadunidense que faz ali intercâmbio. É louvável colocar uma personagem feminina forte em um mundo tão machista, onde até as cadelinhas são apenas para exposição, mas seu papel acaba não sendo aprofundado como deveria e não deixa de ser incômodo que ela seja o ponto de vista estrangeiro.
Aliás, todo o ponto de vista sensato acaba tendo um olhar estadunidense. A começar pelos cães que falam inglês. Os tradutores também acompanham os discursos como uma imprensa bem-intencionada e interessada, mas mantendo esse olhar estrangeiro. Ter a garotinha também acaba sendo um excesso que corrobora essa sensação de incapacidade daquele povo de não resolver seus próprios problemas, ainda que Atari seja ativo. E que o herói da obra seja mesmo o cachorro Chief.
Ainda assim, o roteiro é feliz ao construir sua dinâmica irônica com diálogos bem dosados que trazem humor e agilidade mesmo quando parece completamente blasé. Há um ritmo próprio, inteligente, na obra, que encanta e nos envolve.
A direção de arte e toda a composição estética de cenários e modelagem das personagens é de um primor visual que encantam por si só. O cuidado na técnica de stop motion e a riqueza de detalhes, seja em movimentos ou objetos, impressiona. O filme é ágil e bem desenvolvido. Wes Anderson consegue construir uma beleza repleta de luz e cor de um espaço que seria o lixo, só isso já encanta. Mas, claro, que sem uma boa história por trás, seria apenas perfume.
Ilha dos Cachorros é um filme maduro de Wes Anderson que coroa sua já tão rica e diversa filmografia. Um filme repleto de boas soluções que merece todo o destaque que vem tendo.
Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs, 2018 / EUA)
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson
Duração: 101 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ilha dos Cachorros
2018-08-10T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
animacao|critica|drama|oscar2019|Wes Anderson|
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