
Adaptação, reaprendizado, novas perspectivas. É sobre isso que se trata As Herdeiras, filme premiado em Berlim e Gramado que agora tenta uma indicação ao Oscar como representante do Paraguai. Um filme que consegue se conectar com muito pouco, principalmente pelo talento do trio que atrizes que o encabeçam.
Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarida Irun) estão juntas há muitos anos. Há um desgaste visível na relação, ainda que Chiquita não pareça levar tão a sério os sinais de Chela. Esta está chateada com a situação financeira em que as duas se encontram, parecendo mais arredia. Mas quando Chiquita acaba presa por causa das dívidas, Chela se vê perdida.

Há uma sutileza na construção da situação. Não é preciso se explicar muito, vamos percebendo os detalhes da relação e problemas em pequenos gestos, na postura de ambas, no olhar de Chela ao deixar Chiquita no presídio. As emoções vão sendo construídas nos silêncios. Na dor do pensar, mais até no que do agir, ainda que acompanhemos Chela aprendendo a agir sozinha, sem Chiquita.

Com uma fotografia a maior parte do tempo fechada, com filtros que trazem uma sensação visual de penumbra, a obra vai traduzindo essa angústia interna de Chela e é sensível em sua transformação também, como uma cena chave onde o vento conduz a explicação nas entrelinhas, no não dito, na expressão, nos gestos. O próprio enquadramento muitas vezes é extremamente feliz, como a posição da cadeira na porta da casa com o jogo de cartas ao fundo, ou quando ela muda para a janela, em pé e como isso significa os passos a serem dados. Ou a cena que ela vê por entre a porta.
De maneira sensível, Marcelo Martinessi traz esse universo tão feminino e ao mesmo tempo com valores tão universais para As Herdeiras. Uma obra que nos encanta pelos pequenos detalhes e pela força de suas personagens tão bem interpretadas.
As Herdeiras (Las herederas, 2018 / Paraguai)
Direção: Marcelo Martinessi
Roteiro: Marcelo Martinessi
Com: Ana Brun, Margarita Irun, Ana Ivanova
Duração: 98 min.