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Chuva é cantoria na aldeia dos mortos

Chuva é cantoria na aldeia dos mortos - filme brasileiro

A jornada do herói é uma fórmula que parece clichê e fácil, principalmente após Hollywood colocá-la em manual com passos a serem seguidos, mas a construção concebida por Joseph Campbell é profunda exatamente por trazer um arquétipo de um inconsciente coletivo que parece ultrapassar barreiras territoriais, costumes e raças. Claro, Chuva é cantoria na aldeia dos mortos é um filme feito por dois brancos, uma brasileira e um português, que se utiliza de uma aldeia indígena e suas personagens para construir sua própria história, mas há algo na obra que parece construir uma empatia a mais, dando voz àquele povo.

Realizado na aldeia Krahô de Pedra Branca, conta a história de Ijhãc, um índio que está recebendo o chamado para ser pajé de sua tribo, mas não aceita esse encargo. Sua vontade é fugir dali para que o esqueçam, junto com sua esposa Kôtô e o filho do casal. Há uma mistura de costumes, mística, psicológico e relações que parecem muito próprias e ao mesmo tempo universais. O próprio medo da responsabilidade que o protagonista sente acaba por se constituir de maneira muito particular e ao mesmo tempo compreensível a todos.

Chuva é cantoria na aldeia dos mortos - filme brasileiroRenée Nader Messora já convive com essa tribo há oito anos, ainda que uma ficção, a história é inspirada em um caso que ela acompanhou durante esse período, o índios interpretam papéis deles mesmos, como a mãe de Ijhãc que é sua mãe, sua esposa e o pajé da tribo, o que acaba dando um ar híbrido à obra. Juntando o fato de que muito dos diálogos são na língua nativa, acaba sendo também um registro etnográfico e histórico daquele povo, tornando toda a experiência mais rica.

O ritmo da câmera também traz ao filme um ar documental, ainda que os planos bem pensados deixem clara a intenção de conduzir aquela história. Há uma boa exploração das paisagens naturais e da aldeia, com alguns momentos de perfeita comunhão, como a cena que abre o filme com o protagonista na cachoeira conversando com o espírito de seu pai. Ou quando um grupo de moças comentam sobre namoro enquanto tomam banho de rio. A cultura Krahô também é desenvolvida e respeitada na condução da trama.

Chuva é cantoria na aldeia dos mortos - filme brasileiroOs momentos de Ijhãc na cidade são os mais perturbadores. Não apenas pelo estranhamento do Krahô naquele espaço de "branco", ou pela maneira como ele se diz doente e é tratado como alguém com problemas psicológicos. Há uma sensação de abandono e incompreensão do outro que nos faz refletir sobre o próprio futuro daquele e de outros povos nativos, cada vez menos respeitados em seus espaços e demarcações. Um desfile de cavaleiros em determinada cena pode ser interpretada como essa ameaça constante.

Ainda assim, Chuva é cantoria na aldeia dos mortos é um filme que busca a empatia. Constrói seu protagonista e o olhar sob o outro de maneira sensível e respeitosa. Ainda é a voz e o olhar estrangeiros sobre aquele povo, mas não deixa de ser uma construção legítima, uma busca pelo entendimento e diálogo.

De maneira cíclica e em busca de apaziguamento, o filme nos leva àquela cachoeira e nos faz sentir as águas limpando a alma deles e nossa, de alguma maneira. Entre símbolos, metáforas e interpretações, estamos próximos daquele povo em tela.

Filme visto no XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema.


Chuva é cantoria na aldeia dos mortos (Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, 2018 / Brasil)
Direção: Renée Nader Messora e João Salaviza
Roteiro: Renée Nader Messora e João Salaviza
Com: Ijhãc Krahô e Kôtô Krahô
Duração: 113 min.

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