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20 anos de Central do Brasil
20 anos de Central do Brasil
Vinte anos não são vinte dias. Mas ao ouvir a conhecida trilha de Antônio Pinto e Jaques Morelenbaum para Central do Brasil, parece que não passou nem um dia desde a primeira vez que as imagens de Walter Salles nos impactaram em 1998. Marcou o cinema brasileiro, marcou os espectadores e marcou sua equipe. Mais do que tudo, marcou a vida do menino Vinicius de Oliveira, hoje ator reconhecido de diversos trabalhos, mas que ali, nem sonhava trabalhar com cinema quando abordou o diretor para engraxar o seu sapato.
Vinícius de Oliveira veio a Salvador para exibição especial do filme no XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema e, como muitos na sala, se emocionou mais uma vez com a história de Josué e Dora. Esse encontro que mudou a vida de ambos. Ela uma senhora amargurada, ele um menino assustado que nunca conheceu o pai e acabava de perder a mãe. É um filme sobre encontros e desencontros, sobre pessoas que passam por nossa vida e a mudam completamente.
Central do Brasil é um road movie que nos emociona em cada frente, porque consegue dosar o melodrama com a realidade brasileira que, infelizmente, não é muito diferente de vinte anos atrás. Com influência direta do neo-realismo italiano, Walter Salles preenche as paisagens com pessoas reais, inclusive nas cartas escritas por Dora, para buscar um registro do coração do país, Nordeste tão sofrido e tão cheio de esperanças em dias melhores.
Durante o bate-papo após a sessão, Vinícius de Oliveira comentou que sempre que as pessoas se aproximam dele pela primeira vez, contam alguma experiência com Central que marcou suas vidas. O próprio Cláudio Marques, que mediou o debate, iniciou contando suas lembranças das gravações na Bahia, quando ele ficou responsável por transportar Fernanda Montenegro. Isso só reforça a força do filme que não parece enfraquecer com o tempo. E que a experiência também o fez criar uma ligação forte com o Nordeste, com cidades que eles nunca tinha ido, mas teve a oportunidade de conhecer e retornar algumas vezes.
O ator comentou também que, em determinado momento de sua carreira, não queria mais falar da obra porque isso prejudicava sua trajetória como ator de diversos outros trabalhos. Anos depois, as manchetes ainda se referiam a ele como o “ex-engraxate”, mas que ele já superou isso. Vinicius diz que não tem vergonha de seu passado como engraxate e que reconhece a importância de Central do Brasil em sua vida, apenas quer ser reconhecido também por tudo que fez depois disso. "Sei todas as falas do filme de cor até hoje", afirmou. Ele comentou também que sempre se sentiu agradecido por não ficar preso a um único personagem ou estereótipo, podendo experimentar bastante em sua carreira com diversos trabalhos diferentes.
Questionado sobre o momento mais marcante, ele diz que não é capaz de escolher, pois lembra de cada detalhe das filmagens, de como estava antes, de como era preparado para cada cena. Lembrou, inclusive da cena em que ele retorna à banca de Dora após a morte da mãe e que não conseguiu chorar em cena. Walter Salles deu uma pausa, então, para o almoço e quando retornou, ele fez a cena tranquilamente. "Era fome", concluiu, entre risos. Ainda assim, hoje revendo, ele destaca como mais impactante a cena final. por tudo que ela representa, sendo uma espécie de resumo do filme, com a carta de Dora, sua narração, o olhar, os gestos, a transformação dela.
E, de fato, é uma cena emocionante e de uma delicadeza ímpar em sua construção. Não por acaso a cena foi escolhida para ser exibida na homenagem feita pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro a Fernanda Montenegro. Embalados pela trilha já citada, Josué e Dora se despedem e reforçam seus laços de amizade ao mesmo tempo. O timing é ótimo, dela acordando, indo pegar o ônibus, começando a escrever a carta, enquanto ele também acorda e corre para tentar alcançá-la. Há licenças poéticas dos dois vendo a foto ao mesmo tempo, mas isso também faz parte da construção simbólica da cena que resume bem a trajetória dos dois até ali e o medo de ambos de serem esquecidos.
Vinícius de Oliveira contou ainda sobre sua preparação para o papel. Ele diz que o trabalho com a preparadora de elenco Fátima Toledo foi fundamental e que ainda hoje ele repete exercícios e comportamentos que aprendeu lá. "Não sou um ator de ficar em casa estudando o texto, procuro o personagem dentro de mim e vivo o momento". Ele conta que Walter Salles entendeu o processo dele e sempre o preparava para cada cena, guiando ele da melhor maneira. E que Fernanda Montenegro também foi fundamental nesse processo. "Ela me chamou para junto dela e assumiu a responsabilidade do filme, me ajudando muito", ele contou. "E assim fica fácil, Fernanda entrega de cara tudo o que você precisa", concluiu.
Central do Brasil venceu o Urso de Ouro em Berlim, festival que também premiou Fernanda Montenegro com o Urso de Prata. Venceu ainda diversos outros prêmios, entre eles o Bafta e o Globo de Ouro de filme estrangeiro. Só faltou o Oscar, ainda que as indicações de melhor filme estrangeiro e melhor atriz para Fernanda Montenegro tenham sido também marcantes. Por tudo isso, é um filme inesquecível que merece todas as homenagens feitas nesse ano comemorativo.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
20 anos de Central do Brasil
2018-12-03T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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