Home
critica
drama
Joaquin Phoenix
oscar2020
quadrinhos
Robert De Niro
Todd Phillips
Zazie Beetz
Coringa
Coringa
O homem é produto do meio? O pensamento de Rousseau ainda ecoa em nossa mente, mesmo com contrapontos, fazendo gerar personagens e tramas das mais diversas e intensas. Não é tão simples afirmar que nossa natureza é boa, ou mesmo se as adversidades nos moldam de maneira negativa, mas é fato que o mundo em que vivemos está doente e o novo filme do Coringa demostra bem essa questão.
Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, aclamado por público e crítica, o filme de Todd Phillips chega quebrando paradigmas. O vilão de uma das HQs mais famosas de todos os tempos se torna protagonista de uma obra incômoda em diversos aspectos. Principalmente por ser um deleite técnico e estético que nos leva a sensações muitas vezes controversas de confronto com nossas próprias angústias e inquietações.
Coringa sempre chamou a atenção. Arqui-inimigo do homem-morcego, costuma roubar a cena com sua mente perturbadora e complexidade, dando material suficiente para que seus intérpretes brilhassem em performances inesquecíveis. A loucura nos fascina em algum nível, nos inquieta, nos assusta. E Coringa é a representação máxima dessa atração, muitas vezes, fatal. Aqui, como protagonista solo, ele ganha ainda mais camadas, capaz de construir uma estranha empatia com o público ao ser colocado como anti-herói.
Arthur Fleck não se resume ao Coringa, é uma personagem com muito mais camadas do que as já vistas. Não por acaso Joaquin Phoenix está sendo aclamado por onde a obra passa. O ator mergulha com profundidade nessa persona doentia, construindo um trabalho intenso que se demonstra principalmente no olhar e na composição corporal. Impressiona em cada frame, principalmente nas crises de riso que podem sintetizar um pouco o que representa e o efeito que a obra causa em nós.
O riso é associado à felicidade. Se você é uma pessoa que está sempre rindo, fazendo piadas, é visto como alegre. Não por acaso esse é o nome pelo qual a mãe de Arthur o chama. Mas o riso exagerado esconde muitas vezes uma imensa tristeza. Como diz a música, “rir de tudo é desespero”. Aqui, fica ainda mais clara a estratégia de fuga da realidade da personagem através desse riso e humor questionável. Algo que experimentamos em cenas extremamente cruéis e assustadoras, mas que acabam causando gargalhadas na plateia, como a da fechadura da porta, tornando tudo ainda mais assustador.
É impressionante como as estratégias fílmicas nos levam a ter compaixão de um ser com tantos traços de vilania. Todd Phillips joga o tempo todo com o pensamento de Rousseau, nos colocando muitas vezes na posição de justificar as atitudes do Joker, ao mesmo tempo em que ponderamos que boa parte de suas atitudes não é justificável. Há cenas já memoráveis, como a do metrô, com as luzes falhando nas passagens do túnel e o plongée dele no chão apanhando fazendo eco com a já impressionante cena no beco.
Trazer uma visão mais realista de Gotham, em meio ao caos e pobreza extrema diante de poucos privilegiados que olham para os excluídos de cima torna tudo ainda mais intenso. Ainda mais no mundo atual onde as pessoas estão sedentas por se agarrar a qualquer esperança de liderança que enfrente o sistema estabelecido. Duas cenas icônicas no terceiro ato são capazes de resumir bem esse sentimento e assombro.
Não é exagero dizer que há uma excelência na construção de Coringa que nos faz embarcar naquele mundo em suas duas horas de projeção. Tudo se encaixa em meio ao caos e somos apresentados à lógica ilógica da personagem em cada escolha, vivenciando o caminho que foi construindo sua trajetória, inclusive da fuga pelo riso. A piada para não encarar o espelho e a dor profunda que a máscara esconde. Somos colocados em seu lugar e nos assustamos com essa posição. É perigoso, é intenso, é uma verdadeira experiência fílmica.
Coringa (Joker, 2019 / EUA)
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Com: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz
Duração: 122 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Coringa
2019-10-08T08:42:00-03:00
Amanda Aouad
critica|drama|Joaquin Phoenix|oscar2020|quadrinhos|Robert De Niro|Todd Phillips|Zazie Beetz|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
King Richard: Criando Campeãs (2021), dirigido por Reinaldo Marcus Green , é mais do que apenas uma cinebiografia : é um retrato emocionalm...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Clint Eastwood me conquistou aos poucos. Ele sabe como construir um filme que emociona e, agora, parece ter escolhido Matt Damon como seu ...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
Olhando para A Múmia (1999), mais de duas décadas após seu lançamento, é fácil perceber como o filme se tornou um marco do final dos anos ...
-
Amor à Queima Roupa (1993), dirigido por Tony Scott e roteirizado por Quentin Tarantino , é um daqueles filmes que, ao longo dos anos, se...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...
-
O CinePipocaCult adverte: se você sofre de claustrofobia, síndrome do pânico ou problemas cardíacos é melhor evitar esse filme. Brincadeiras...