
“A vida não tem a menor perspectiva”. Isso é o que mais ouvimos de uma dupla de formigas que tentam a todo custo se comunicar com uma garotinha que as caça para alimentar sua planta carnívora de estimação. Isso resume um pouco do universo de Miúda e o Guarda-chuva, uma animação poética que parece transitar de maneira estranha entre o adulto e o infantil, mas que acaba cativando a ambos por sua honestidade em tela.
Miúda não é uma garotinha qualquer e a lógica não parece ser a principal regra naquele universo. Afinal, que garotinha de sete anos moraria sozinha com uma planta carnívora tendo como amigos apenas um carteiro e uma mulher com o nome de Inércia? Tudo no filme de Amadeu Alban é simbólico. A obra, na verdade, é uma co-autoria com Paula Lice e Victor Cayres que vem sendo trabalhada desde 2009, primeiro como uma peça, depois um projeto de série, um curta-metragem para finalmente chegar a esse formato de longa-metragem.

O amor que dedica a uma planta carnívora a que chama de meu bem, não é retribuído, tanto que ele é incapaz de dizer seu nome, chamando-a de Ínfima. E pouco se importa com seus questionamentos, querendo apenas ser alimentado a toda hora por formigas crocantes e azedas. A dupla de dubladores ajudam na construção dessa relação inusitada. Harildo Deda imprime à voz da planta um descaso e melancolia que traduzem o cansaço enfadonho com que encara a vida, enquanto que Luana Carrera dá a Miúda um tom doce e curioso, construindo uma dinâmica instigante.

Acima de tudo, o filme é uma experiência estética. Usa bem a linguagem da animação para brincar com as perspectivas, construindo efeitos e sensações que nos fazem embarcar em sua viagem onírica. Sensações diversas são construídas em tela, principalmente o riso, que flui fácil em muitos momentos, ainda que soe estranho em outros, principalmente se tentamos entender demais algumas questões.
Obras como O Menino e o Mundo e Tito e os Pássaros abriram caminhos, demonstrando que somos capazes de construir uma narrativa própria capaz de dialogar com diversos públicos. Miúda e o Guarda-chuva não é um filme perfeito, mas reforça a ideia de que a animação brasileira têm capacidade de ir além e surpreender, competindo em cenário internacional em técnica e estética.
Filme visto no XV Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Miúda e o Guarda-chuva (Miúda e o Guarda-chuva, 2019 / Brasil)
Direção: Amadeu Alban
Roteiro: Paula Lice e Victor Cayres
Com: Harildo Deda, Luana Carrera
Duração: 74 min.