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O Oficial e o Espião
O Oficial e o Espião
Indicado a doze Categorias no Cesar, tendo vencido de melhor direção, O Oficial e o Espião chega aos cinemas repleto de polêmicas, protestos e controvérsias, todas relativas ao entorno da obra, e não necessariamente a ela. Por isso, faz-se necessário contextualizar e não apenas analisar a obra em si.
Há os que defendem a separação entre obra e autor, mas é complicado manter esse distanciamento quando o cineasta foi condenado por estupro de uma menina de treze anos e fugiu para a França antes de cumprir a sentença. Quando a trama trata do caso de um homem condenado injustamente e o filme trabalha tão bem a reflexão sobre o julgamento precoce, em especial da opinião pública, isso fica ainda mais complexo.
Não há nada na obra que indique uma busca por paralelo direto entre a história de Alfred Dreyfus e Roman Polanski. É interpretação, de fato. Mas uma interpretação possível de ser feita diante do caso. E é isso que mais incomoda as responsáveis pelos protestos desde que o filme começou a circular os festivais. Por isso também diversas mulheres presentes na cerimônia do Cesar se retiraram do teatro quando foi anunciado o seu nome como vencedor do prêmio.
Incomoda principalmente ele ter fugido, nunca cumprido a pena, já que não pode ser extraditado da França para os Estados Unidos e continue realizando suas obras sem maiores problemas. Isso não apaga todas as grandes obras que já realizou. Nem mesmo torna O Oficial e o Espião um filme ruim. Mas reforça uma sensação de impunidade e de que a mulher, na sociedade em que vivemos, seja tão desqualificada ainda. Basta lembrar que Kevin Spacey não consegue mais trabalho por ter assediado homens, enquanto diversos assediadores e estupradores de mulheres continuam trabalhando normalmente.
Ainda assim, não se pode negar a qualidade da obra em questão. O diretor é hábil ao construir o recorte da história sobre Alfred Dreyfus a partir do questionamento sobre seu julgamento. A história real já foi contada em diversos formatos e trazer esse embate entre verdade e conveniência deixa a discussão mais rica, em especial pela lógica do roteiro que vai se configurando em diversos tempos distintos para ir compondo o quebra-cabeça da trama.
A primeira cena é impactante, traz o momento em que o capitão do exército é desonrado na frente de todo o batalhão, da imprensa e da população sedenta por linchamento. As escolhas da direção ajudam a construir diversos pontos de vista durante o ritual que vão nos familiarizando com o caso. A maneira como a câmera se aproxima de Dreyfus, interpretado com grande força por um quase irreconhecível Louis Garrel, constrói sensações diversas nos fazendo condenar e ao mesmo tempo criar empatia com o mesmo.
A investigação é conduzida pelo novo comandante Georges Pcquart, interpretado por Jean Dujardin, que não teme enfrentar o exército em sua busca pela verdade. A injusta acusação de traição e a incapacidade de admitir o erro por parte do exército francês revela também o antissemitismo muito antes da Alemanha de Hitler. Ainda que tenha poucas externas, o filme traz uma boa reconstituição de época.
O Oficial e o Espião é um filme bem feito, não há como negar. Ainda assim, independentemente da polêmica em torno de seu diretor, talvez não merecesse o prêmio de direção no Cesar, filmes como Retrato de Uma Jovem em Chamas, por exemplo, traz uma direção mais competente e criativa. O filme de Céline Sciamma, no entanto, sofreu represálias depois das declarações de Adèle Haenel que denunciou os abusos que sofreu na adolescência. Inclusive, a atriz foi uma das que se levantou após o anúncio da premiação do diretor. Ou seja, infelizmente tudo em torno dessa edição traz elementos que vão além da tela.
O Oficial e o Espião (J'accuse, 2020 / França)
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Robert Harris, Roman Polanski
Com: Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner
Duração: 132 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Oficial e o Espião
2020-03-15T22:28:00-03:00
Amanda Aouad
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