Em 2012, Marília Hughes e Cláudio Marques lançaram o curta-metragem Desterro. Através das memórias da agente social Thereza Batalha e de Dona Pequenita, uma moradora local, o filme resgatava um pouco da história da construção da Hidrelétrica de Sobradinho que submergiu quatro cidades na região do norte baiano. O casal de cineastas voltou ao tema em seu segundo longa-metragem, a ficção Cidade do Futuro, que trazia uma trama em uma das cidades criadas para abrigas as famílias desalojadas.
A velha senhora foi a única a retornar para a região após a obra, vivendo em uma espécie de cidade fantasma com escombros locais. Através de seu depoimento e das lembranças das três agentes, o filme vai refletindo sobre os acontecimentos passados na década de setenta. O discurso do inevitável e tentativa de melhoria de vida, a sensação de despejo.
Em paralelo, o filme traz imagens da época, incluindo narrações de cinejornais com reportagens sobre a obra e detalhes do deslocamento das famílias. O estranhamento das imagens expositivas com uma linguagem tão antiga podem chocar com o ritmo observativo das demais. Mas há nessa junção também uma construção irônica que, pensando na montagem formalista, acaba por suscitar críticas ao processo da construção da hidrelétrica em pleno regime militar.
Além disso, os cineastas trazem cenas da telenovela da Rede Globo, Fogo Sobre a Terra. A trama de Janete Clair trazia críticas a criações de hidrelétricas no país ao narrar a trama da fictícia cidade do Mato Grosso, Divinéia, que iria desaparecer com a obra. O personagem de Juca de Oliveira, Azulão, era uma voz contrária e a novela chegou a sofrer censura por sua causa. A cena em que ele se prende em casa correndo o risco de morrer afogado é mostrada em Sobradinho. Assim como o seu desfecho, que teve influência do órgão censor.
Mas, apesar de todos esses elementos, o mais instigante em Sobradinho é mesmo Dona Pequenita. Essa senhora simples com fala fácil nos conquista. Ela representa de alguma maneira o resultado da ação naquela região. Ouvi-la observar sua rotina em meio a uma cidade em ruínas, pensar sobre as diversas famílias que, como ela, ficaram sem casa de uma hora para outra, é o que nos prende.
Sobradinho amplia a reflexão iniciada em Desterro, mas a mistura de linguagens e materiais de arquivo acaba não valorizando tanto o que a obra tem de melhor. É, de qualquer forma, um material instigante que vale cada minuto de projeção.
Filme visto na 44ª Mostra de São Paulo.
Sobradinho (Brasil, 2020)
Direção: Marília Hughes e Cláudio Marques
Roteiro: Marília Hughes e Cláudio Marques
Duração: 70 min.