Crianças não devem trabalhar. Seres em formação, merecem cuidados, proteção, lazer e condições de estudo. Está no estatuto infantil, mas raramente isso é respeitado, principalmente em locais desiguais e com famílias em situação de pobreza que obriga essas crianças a subempregos. Simplesmente expor isso em tela, parece uma denúncia vazia, mas também é uma busca válida pela reflexão e construção de empatia.
Crianças do Sol
Crianças não devem trabalhar. Seres em formação, merecem cuidados, proteção, lazer e condições de estudo. Está no estatuto infantil, mas raramente isso é respeitado, principalmente em locais desiguais e com famílias em situação de pobreza que obriga essas crianças a subempregos. Simplesmente expor isso em tela, parece uma denúncia vazia, mas também é uma busca válida pela reflexão e construção de empatia.
Representante do Irã na corrida ao Oscar, Crianças do Sol traz a história de Ali, uma criança de doze anos e três amigos que enfrentam essa realidade sofrida. É uma obra sensível e bem realizada que vai nos envolvendo na rotina dos meninos que se submetem a trabalhos duros, além de cometer pequenos delitos. Quando Ali é “contratado” para encontrar um tesouro, a obra sofre uma reviravolta instigante.
O roteiro traz camadas e metáforas que ajudam a refletir sobre a realidade desses meninos. É curioso que, ao serem incumbidos da missão de encontrar um tesouro, eles precisem se matricular em uma escola que luta para tirá-los daquela situação de exploração. Quer algo mais infantil do que o sonho de um tesouro escondido? Ao mesmo tempo, estudar poderia lhe dar uma oportunidade de futuro que antes havia sido negada.
Majid Majidi, primeiro cineasta iraniano a ser indicado ao Oscar por “Filhos do Paraíso” (1999), é hábil em retratar essa história com uma fotografia lavada, quase crua, que traz um tom realista, ao mesmo tempo em que constrói o ritmo ágil com planos curtos e movimento de câmera que pode remeter a energia dessas crianças. Há também uma atmosfera claustrofóbica nas cenas do túnel e em algumas situações na escola.
As crianças conseguem passar verdade em cena. Há uma química e intimidade entre o grupo que nos dá a sensação mesmo de amigos cúmplices, nas falas e gestos que nos fazem crer nas situações. A esperteza de quem sobrevive nas ruas e a ingenuidade de quem crê em tesouros escondidos também é bem dosada naquelas crianças “adultas”. Em algum nível, lembra os Capitães da Areia, de Jorge Amado, inclusive na crise de consciência quando surge uma oportunidade de mudança, na figura do ativista que quer lhes dar uma oportunidade de estudo.
Os adultos também possuem camadas, ainda que sejam representados de maneira mais rasa, com funções muito bem definidas. Há os que exploram as crianças, os que julgam e os que buscam ajudá-las. A cena em que um pai invade o colégio para pegar o filho que tem que “trabalhar” representa bem a ação desses três papéis de uma maneira quase didática.
Crianças do Sol é uma obra envolvente. Ainda que não traga novidades sobre o tema, possui carisma e nos faz querer embarcar nessa jornada, quase torcemos para o tesouro no fim do “arco-íris”, quase esquecemos que estamos vendo o Irã e não uma realidade brasileira. O filme não nos dá esperança, ainda que nos iluda em vários momentos. É duro, mas é belo. Não por acaso levou dois prêmios no Festival de Veneza de 2020.
Filme disponível na Claro Now, Amazon, Vivo Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes.
Crianças do Sol (Khorshid, Irã / 2021)
Direção: Majid Majidi
Roteiro: Nima Javidi, Majid Majidi
Com: Ali Nassirian, Javad Ezati, Tannaz Tabatabaei
Duração: 99 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Crianças do Sol
2021-10-26T14:01:00-03:00
Amanda Aouad
cinema iraniano|critica|drama|Majid Majidi|
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