Um filme sobre uma pessoa pública com uma atuação política tão contundente não tem como não ter um viés também político, ainda mais em um mundo polarizado em que vivemos. Marighella, primeiro longa-metragem de Wagner Moura, não se furta a encarar a personagem do passado para refletir o presente, afinal, todo filme reflete o momento em que está sendo produzido. Há um posicionamento político claro na produção da obra. Isso não quer dizer que seja um filme doutrinador, como podem afirmar alguns.
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Um filme sobre uma pessoa pública com uma atuação política tão contundente não tem como não ter um viés também político, ainda mais em um mundo polarizado em que vivemos. Marighella, primeiro longa-metragem de Wagner Moura, não se furta a encarar a personagem do passado para refletir o presente, afinal, todo filme reflete o momento em que está sendo produzido. Há um posicionamento político claro na produção da obra. Isso não quer dizer que seja um filme doutrinador, como podem afirmar alguns.
Há uma diferença em se posicionar e querer manipular mensagens para convencer. Ainda que alerte para o que acredita, o filme apresenta o outro lado, não é maniqueísta. Por pior que seja a personagem de Bruno Gagliasso, a sua construção tem camadas. É cruel, tem prazer em torturar os “comunas”, mas há um viés de que ele realmente acredita que está defendendo a pátria. Da mesma forma que Marighella realmente pegou em armas e comandou ações, como roubo de um trem e assalto a bancos, mesmo que preocupado em não ferir civis. As motivações de ambos estão postas. Isso torna o filme mais instigante e até mesmo doloroso, pois conseguimos fazer um paralelo e perceber a História se repetindo.
O roteiro é assertivo ao construir de maneira não linear a história do guerrilheiro mais “odiado” do país. O paralelo entre o público e o privado seja com sua relação com o filho ou com a namorada, vivida por Adriana Esteves, também traz boas camadas que ajudam a humanizar ainda mais esse homem que lutou por um país livre e acreditou que o contra-ataque bélico era a única forma de sobreviver em uma guerra como aquela.
“Esse homem amou o Brasil” grita uma personagem em determinado momento. Esse momento e uma cena em que o grupo canta de maneira desesperada o Hino Nacional são maneiras também de quebrar o discurso “patriota” da direita. Sim, são comunistas. Sim, eles acreditam na luta armada. E sim, eles amam e lutam pelo Brasil. A polarização do mundo, naquele momento e hoje, é pelo mesmo motivo. Ambos os lados acreditam que estão corretos. Talvez esse ponto seja a única ingenuidade do roteiro. Dizer que o povo só não está do lado deles porque a mídia está censurada. Algo que reflete também o momento atual.
Mas será que o povo é assim mesmo tão manipulado, sem acesso à comunicação ou memória? É algo questionável, mas é justo que a obra faça esse questionamento. E faça isso em uma linguagem que fale com o povo. Marighella é um filme de ação, com pitadas de humor e frases de efeito, como obras de sucesso popular a exemplo de Tropa de Elite, protagonizado por Wagner Moura, que trouxe discussões políticas em uma linguagem fácil e envolvente.
Ainda que o início seja um pouco confuso e picotado, faz-se necessário para o caminho que o diretor e roteirista escolhe. A trama ganha ritmo e vai nos envolvendo aos poucos, apresentando as personagens de maneira objetiva e empática. Seu Jorge incorpora um Marighella com ginga e carisma, abrindo espaço para nos aproximarmos de suas ideias. Destaque também para Luiz Carlos Vasconcelos como Branco, o braço direito do protagonista nas ações. Uma personagem até mesmo mais radical que o próprio Marighella quando se fala em ações armadas.
A direção de Wagner Moura é assertiva, com muita câmera na mão e buscando o ritmo da obra, dando espaço para respiros e construindo a emoção aos poucos. Há momentos intensos como o grito de “pai de família, com três filhos”, e momentos de poesia como a da praia. Chama a atenção para o cuidado em não apelar nas cenas de tortura. Por mais que sejam expostas, há uma dosagem no que é apresentando. Ainda que a violência seja exposta, ela não é gratuita e não busca apenas chocar, mas refletir, até por entender que a violência ali vai muito além de um pau de arara.
Se a ditadura militar pintou a imagem de Marighella como um terrorista perigoso que precisava ser caçado para defender o país, o que o filme de Wagner Moura busca é demonstrar que essa é uma versão distorcida. Sim, ele quer construir o herói, um herói trágico que como tal tem um propósito maior. O herói grego era falho, mas através do destino cruel construía seu momento catártico e de aprendizado, deixando algo apaziguador para o povo. Talvez o que torne o filme mais angustiante seja exatamente essa sensação de que a catarse não virá, já que estamos vendo tudo se repetir.
Marighella (Brasil, 2021)
Direção: Wagner Moura
Roteiro: Felipe Braga, Wagner Moura
Com: Seu Jorge, Humberto Carrão, Bruno Gagliasso, Luiz Carlos Vasconcelos, Bella Camero, Adriana Esteves, Ana Paula Bouzas, Herson Capri
Duração: 155 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Marighella
2021-11-04T13:06:00-03:00
Amanda Aouad
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