Na década de 1980, o assassinato da socialite Angela Diniz chocou o país. Seu julgamento foi um grande circo midiático e uma prova do machismo que continua imperando em um país que permitiu à época que seu assassino fosse quase inocentado com o argumento de defesa da honra.
A história ganhou novo fôlego com o podcast Praia dos Ossos, idealizado e apresentado pela jornalista Branca Vianna, que trouxe as minúcias daquele escândalo e tudo que permitiu que aquilo fosse possível. Mas também toda a luta feminista para que isso não se repetisse. Como é dito, Angela foi morta duas vezes, por Doca e por seu advogado, no julgamento em que seu caráter foi questionado e sua postura de mulher livre foi condenada.
Causa incômodo, então, que o primeiro ato do filme de Hugo Prata seja quase uma terceira morte dessa mulher, reforçando exatamente essa postura mostrando apenas uma pessoa fútil que dança e seduz a todos, se envolve com homem casado e é mal educada com uma funcionária. Isso sem falar na maneira como reforça a ideia de que os homens são “garotos que não cresceram e precisam ser cuidados”.
Quando se aproxima de Angela, o roteiro passa, então, a construir uma mulher que sofre com a perda dos filhos e justifica que precisou se afastar deles para não se submeter a um casamento infeliz. Porém, contrasta isso, demonstrando que, paradoxalmente, ela se permite viver um relacionamento abusivo com seu futuro assassino.
Independentemente das pautas feministas, no entanto, o roteiro falha também exatamente por tentar ignorar que o espectador já sabe o desfecho daquela história. Nos apresenta uma narrativa linear que se detém muito no romance arrebatador entre Angela e Doca, utilizando artifícios que parecem mais gatilhos que estratégias de despertar a curiosidade. Perde, com isso, a oportunidade de discutir o verdadeiro conflito por trás do assassinato, e posterior julgamento.
A atuação de Isis Valverde, no entanto, é digna. A atriz traz verdade àquela mulher que virou um exemplo cruel do retrato do feminicídio no país. Não é responsabilidade dela o fato de Angela ser apresentada quase como um estereótipo. Um rascunho do que a mídia fez dela. Quando pode, a atriz humaniza a personagem em pequenos gestos.
A reconstituição de época e a maneira como a atmosfera é criada também chamam a atenção. Assim como a direção de arte, em especial da Praia dos Ossos. Mas a sensação que fica é de que Angela é um filme rascunho que não tem coragem de mergulhar e encarar a potência daquela trama. Joga com o superficial, expondo fatos, sem discutir nem refletir sobre tudo que está posto. Dá uma sensação de filme vazio, que não acrescenta nada a experiência, nem mesmo como efeito emocional.
Mais uma vez fica a dica, caso procurem uma narrativa potente sobre o caso Angela Diniz, conheçam o podcast Praia dos Ossos.
Angela (2023, Brasil)
Roteiro: Duda de Almeida
Com: Ísis Valverde, Gabriel Braga Nunes, Alice Carvalho, Emílio Orciollo Neto, Bianca Bin, Gustavo Machado
Duração: 100 min.