Nesta época de Natal é inevitável não lembrar do clássico Esqueceram de Mim (1990). Além do mais, ao revisitarmos o filme, é imperativo transcender a figura emblemática de Macaulay Culkin e mergulhar nas camadas subjacentes da obra. Vamos tentar aqui desvincular o filme de sua roupagem natalina para desvendar os elementos que o catapultaram à imortalidade cinematográfica, com um olhar perspicaz sobre a direção de Chris Columbus, a trilha sonora de John Williams e o roteiro de John Hughes.
Chris Columbus orquestrou Esqueceram de Mim como uma comédia intrépida, destituída de qualquer cerimônia natalina sacrossanta. Adentrar o universo do garoto e suspender o julgamento sobre o real ou não, em troca do entretenimento, é crucial para apreciar as astúcias de Kevin McCallister. Columbus não evita explorar o potencial cômico do cenário, transformando a casa de Kevin em um campo de batalha para os ladrões incautos. Armadilhas engenhosas, de tiros de chumbinho a maçanetas incandescentes, são o arsenal de um Kevin que, apesar da tenra idade, revela-se um estrategista impiedoso. A direção de Columbus não é apenas natalina; é um mergulho no absurdo, onde a comédia se desdobra em cada recanto da casa.
A trilha sonora de John Williams transcende a mera celebração do Natal. Longe dos corais convencionais, Williams compõe uma sinfonia que desafia as expectativas, utilizando sinos, corais, harpas e violinos para criar uma experiência sonora única. Sua abordagem, distante do tradicionalismo natalino, é uma exploração melódica que permeia cada momento da narrativa.
A técnica de leitmotiv de Williams não se contenta em ser um acompanhamento musical; ela se torna uma narrativa musical por direito próprio. O tema principal, repetido em nuances variadas, é uma jornada auditiva que acompanha a evolução de Kevin. É uma composição que transcende o contexto do Natal, tornando-se uma trilha sonora para a jornada de autodescoberta do protagonista.
John Hughes, conhecido por suas incursões no humor, lança mão de Esqueceram de Mim para explorar a dualidade do Natal. Seu roteiro vai além da comédia superficial, tocando nas fibras mais profundas da experiência humana durante a temporada festiva. A cena da igreja, em particular, destaca-se como um diálogo poético sobre o medo e a coragem.
A solidão de Kevin é contrastada com a busca dos pais, proporcionando um terreno fértil para explorar o significado da união familiar. Hughes não teme adentrar a melancolia, utilizando personagens como o velho Marley, interpretado pelo saudoso Roberts Blossom, para tecer uma narrativa sobre medo, coragem e a inevitabilidade do envelhecimento. O roteiro de Hughes é um equilíbrio delicado entre o humor desenfreado e a contemplação natalina.
A violência caricata em Esqueceram de Mim evoca os embates clássicos de desenhos animados da época, como Tom e Jerry ou Frajola e Piu-Piu. As reações exageradas, típicas desse gênero, integram-se perfeitamente à lógica do filme, proporcionando humor constante e preparando os personagens para desafios subsequentes. Não é motivo para alarme entre os mais preocupados com a correção política de hoje em dia.
Esqueceram de Mim não é um conto de Natal convencional; é uma desconstrução irreverente da tradição. As armadilhas de Kevin, a trilha sonora que desafia expectativas e o roteiro que oscila entre o humor e a melancolia convergem para criar uma experiência cinematográfica que desafia gêneros.
Ao se aproximar das festividades, é natural Esqueceram de Mim emergir como mais do que um filme sazonal. É uma reflexão sobre a natureza humana, embalada em papel de presente natalino. E não é um clássico que se apega às fórmulas estabelecidas; é uma celebração que, ao desafiar as convenções, se estabelece como um presente atemporal da sétima arte. Ninguém esquece Esqueceram de Mim, pois, paradoxalmente, é um filme que se recusa a ser esquecido.
Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990 / EUA)
Direção: Chris Columbus
Roteiro: John Hughes
Com: Macaulay Culkin, Catherine O'Hara, Joe Pesci, Daniel Stern
Duração: 103 min.