Refletir sobre este filme evoca em mim uma saudade imensa. Foi a minha primeira experiência no cinema, aos 10 anos, na companhia do meu pai. Simplesmente entramos, num daqueles momentos singelos e marcantes de conexão pai e filho. Não entendi quase nada da obra, é fato, e sempre deixei este filme para ser revisitado em um momento especial. Agora, um tanto saudosista neste final de ano, resolvi me debruçar sobre a obra com um entendimento mais maduro. Ainda me envolvo e me sinto nostálgico com as lembranças de meu saudoso pai, mas juro que vou me concentrar no filme.
Quando o renomado cineasta Lawrence Kasdan, após sete anos do explosivo Corpos Ardentes (1981), se reuniu novamente com a excepcional dupla de atores, William Hurt e Kathleen Turner, as expectativas nasceram. Contudo, O Turista Acidental veio como uma narrativa que oscila entre momentos brilhantes e uma irregularidade que desafia as previsões.
Kasdan, conhecido por sua habilidade em explorar complexidades humanas, nos apresenta Macon Leary (William Hurt), um escritor de guias de viagem para executivos, perdido na tormenta da perda do filho e em uma relação desmoronada com Sarah (Kathleen Turner). A trama ganha fôlego com a entrada de Muriel Pritchett (Geena Davis), uma figura excêntrica cuja dinâmica com Macon forma o núcleo inusitado da narrativa.
O roteiro, assinado por Kasdan e Frank Galati, transita habilmente entre a teoria pragmática dos guias de viagem de Leary e a realidade emotiva de sua vida. Esta abordagem, embora engenhosa, não consegue salvar o filme da alternância entre momentos de brilhantismo e outros de monotonia.
Hurt, protagonista absoluto, carrega o filme nas costas com uma atuação profunda, capturando a retração e a tensão de Macon frente à perda. Kathleen Turner, apesar do destaque no cartaz, assume um papel menos central do que esperado, revelando uma disparidade entre marketing e narrativa. Geena Davis surpreende com sua interpretação sutil. Sua performance equilibrada rendeu-lhe um Oscar de Coadjuvante, superando nomes mais estabelecidos. Uma prova de que, por vezes, menos é mais.
A atmosfera do filme, embora ambientada nos Estados Unidos, carrega uma alma europeia. Kasdan opta por uma abordagem não convencional para um drama americano, afastando-se das lágrimas catárticas e focando na tristeza arraigada de Macon, que prefere o isolamento à confrontação emocional.
No entanto, o diretor falha ao evitar uma exploração mais profunda da tragédia central do casal. Flashbacks breves, mais para situar a audiência do que para provocar comoção, privam o público de uma compreensão mais detalhada e visceral da perda do casal. Outra falha, a meu ver, foi a decisão de incluir subtramas desnecessárias, como o romance entre a irmã de Macon e seu chefe, interpretado por um ainda desconhecido Bill Pullman. Desvia o foco, roubando a energia e o ritmo do filme. Uma economia na narrativa teria transformado este trabalho em uma pequena obra-prima.
O Turista Acidental é, portanto, um paradoxo intrigante na filmografia de Kasdan. Longe de ser ruim, revela-se apenas correto e sóbrio, contrastando com a explosão sensual de Corpos Ardentes. Esta mudança é, no mínimo, uma demonstração da versatilidade do diretor, mas deixa o espectador questionando se a moderação foi a escolha certa.
Em resumo, O Turista Acidental é uma jornada cinematográfica entre promessas e realizações. Embora carregue consigo o peso do elenco talentoso e do diretor experiente, não atinge as alturas esperadas. O filme oferece momentos de brilhantismo entrelaçados com monotonia, proporcionando uma experiência que, apesar de não ser totalmente satisfatória, lança luz sobre as nuances do drama familiar de Kasdan.
Este é um filme que permanece na memória não pela grandiosidade, mas pela reflexão sobre o que poderia ter sido. Uma obra que nos lembra que até mesmo os mestres do cinema podem, ocasionalmente, ser turistas acidentais em suas próprias narrativas.
Quanto a mim e ao meu pai, recordo-me de ele afirmar que, no próximo passeio, seria eu a escolher o filme. Algum tempo depois, fomos assistir a "As Tartarugas Ninja 2: O Segredo do Ooze". Quantas saudades de meu pai e de minha infância.
Direção: Lawrence Kasdan
Roteiro: Frank Galati, Lawrence Kasdan
Com: William Hurt, Kathleen Turner, Geena Davis
Duração: 121 min.