Uma família padrão, uma casa dos sonhos, a paz de ter suas necessidades atendidas e sua vida ajustada à expectativa do que prometeu o governo de seu país. Não seria nada demais se essa família não fosse alemã no período da Segunda Guerra Mundial e essa casa não fosse em Auschwitz, dividindo muro com o mais famoso campo de concentração da história.
A trama de Zona de Interesse acontece mais dentro de nossa mente que na tela. A obra de Jonathan Glazer trabalha com o não dito, com a observação dos detalhes. Com o que deveria ser. Como nossa angústia e revolta em ver a naturalidade com que Hedwig, personagem de Sandra Huller, lida com aqueles vizinhos e situação que escolheu ignorar. “As plantas vão crescer e esconder o muro”.
Em determinado momento da trama, sua mãe comenta sobre o leilão de cortinas de sua antiga patroa, de maneira quase displicente. Ali está uma síntese de uma sociedade que se mantém na cômoda situação de isenção diante do genocídio. Uma sociedade que antes estava em situação financeira difícil. Na qual o dinheiro estava na mão do povo judeu e que a política do Terceiro Reich inverteu a situação econômica. Vale aqui um destaque para atuação de Hüller e pelo fato dela estar em dois filmes que concorrem ao Oscar na categoria principal esse ano.
Glazer constrói essa experiência estética explorando a linguagem a começar pelos longos minutos de tela preta apenas com sons que abre a projeção. Em outro momento, a tela fica vermelha, reforçando o sangue que insistem em não ver. E, em outros, a fotografia é invertida, como um negativo e um som incômodo que nos traz um pouco mais de angústia à tela enquanto o comandante lê o conto de João e Maria para a filha.
A narrativa acontece quase em compasso de espera. Não há um conflito no ponto de vista dos protagonistas. A exceção de um momento na trama, eles simplesmente vivem aquela bucólica realidade da superfície. E vamos acompanhando os banhos de rio, as brincadeiras no jardim, a arrumação da casa. As conversas banais, dando pistas quase imperceptíveis da real história por trás daquilo.
Isso é uma questão. Porque a proposta se esgota em pouco tempo e não avança na discussão, nem na construção de efeito. Talvez a única reviravolta aconteça já no final da projeção, em tempo paralelo, que nos traz a memória e o reforço do que não se pode ser esquecido. Mas é tudo muito sutil, um espectador desavisado pode se perder. Inclusive, vi muitos dormindo no cinema. O tema e a proposta pediam alguns momentos enfáticos.
De qualquer maneira, Zona de Interesse é uma obra impactante. Um convite à reflexão, um estudo sobre a humanidade ou a falta dela. Um filme que reverbera por muito tempo após seu término.
Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2024 / Reino Unido)
Direção: Jonathan Glazer
Roteiro: Jonathan Glazer, Martin Amis
Com: Sandra Hüller, Christian Friedel, Imogen Kogge
Duração: 105 min.