O Homem dos Sonhos
Em tempos de redes sociais, ficar famoso ou ser cancelado é uma questão de segundos. A ilusão que rege nossas relações hoje em dia faz valer muito mais o que parece do que o que é. Nesse ponto o filme de Kristoffer Borgli consegue uma metáfora incrível para o que vivemos hoje em dia.
Paul Matthews, personagem de Nicolas Cage é julgado, idolatrado e perseguido por não fazer nada. Simplesmente as pessoas começam a sonhar com ele, sem explicação plausível, talvez o inconsciente coletivo de Jung como uma personagem sugere, e sua vida vira ao avesso.
Professor titular de uma universidade, tudo que ele queria era seguir com suas pesquisas e lançar um livro sobre formigas. Mas a expectativa do outro em relação a ele faz com que ele se torne a aparência sem nem ao menos ter escolha.
O roteiro é explícito e isso talvez torne a experiência fílmica difícil de embarcar completamente. É tudo muito incongruente, como o esperado jantar, a consulta à agência de marketing digital ou a reunião da psicóloga com os alunos no ginásio. Mas fazendo um paralelo como que vemos nas redes nos traz camadas instigantes que tornam tudo mais envolvente.
Nicolas Cage parece o ator perfeito para o papel. Acostumado a tipos estranhos, com uma expressão que traduz seu deslocamento naquele mundo, naquelas situações, traz uma verdade para a trama, por mais mirabolante que pareça. Talvez desde Adaptação não o víamos tão à vontade em cena.
É curiosa a maneira como o roteiro vai se desenrolando em suas reviravoltas. Quando tudo parece seguir um caminho, vem um fato novo e acrescenta camadas ao jogo proposto. As relações humanas e nossa capacidade de julgar o outro por nossas próprias expectativas da muito material para pensar.
Outro ponto que chama a atenção é a própria incapacidade de lidar com frustrações. O medo em excesso, a revolta em excesso, a incapacidade de pensar no outro. Ainda que de forma exagerada em alguns momentos, o filme traz bons pontos de reflexão.
Talvez, também por nossas expectativas a partir do que a projeção vai nos entregando, há também frustrações no terceiro ato. Se não fosse tão explícita, a obra poderia trabalhar melhor todos esses temas construindo um desfecho mais impactante. De qualquer maneira, O Homem dos Sonhos instiga. Um filme curioso que cumpre, à sua maneira, o que promete.
O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2024/ Estados Unidos)
Direção: Kristoffer Borgli
Roteiro: Kristoffer Borgli
Com: Nicolas Cage, Lily Bird, Julianne Nicholson
Duração: 101 min.

Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Homem dos Sonhos
2024-03-28T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|drama|Julianne Nicholson|Kristoffer Borgli|Lily Bird|Nicolas Cage|
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