Pier Paolo Pasolini, um mestre da provocação e da subversão, apresenta em Teorema (1968) uma obra que desafia não apenas a moralidade burguesa da sociedade italiana do século XX, mas também os próprios paradigmas do cinema. Enquanto se preparava para realizar uma história sobre São Paulo, o cineasta se viu envolto pelo escândalo que seu filme traria, e o projeto original foi abandonado. No entanto, o que emergiu foi algo além do mero escândalo: uma revelação, uma teofania que iluminou as telas do cinema com uma força visceral.
Por meio de uma narrativa enigmática e simbólica, Pasolini constrói uma obra que oferece uma reflexão profunda sobre temas como sexualidade, classe social, religião e identidade. O filme se desenrola em um mundo em preto e branco, refletindo a vida sem cor e paixão de uma típica família burguesa de Milão. Sua rotina é interrompida pela chegada de um enigmático visitante, Terence Stamp, cuja presença desencadeia uma série de transformações profundas. Essa ruptura da monotonia da existência burguesa é uma das principais teses pasolinianas, destacando a necessidade de buscar a espiritualidade perdida na barbárie da existência moderna.
As performances neste filme são nada menos que cativantes. Terence Stamp personifica o anjo misterioso com uma aura de magnetismo e ambiguidade, enquanto os membros da família burguesa são interpretados com uma mistura de desespero, luxúria reprimida e alienação. Ao seduzir cada membro da família, sem nome ou explicação clara de sua identidade, o visitante provoca uma série de transformações e revelações psicológicas e emocionais. Cada membro da família parece personificar um segmento da sociedade italiana. Silvana Mangano brilha como a mãe devota que se entrega à luxúria após a visita do anjo, enquanto Massimo Girotti personifica a crise existencial do patriarca industrial.
A direção de Pasolini utiliza uma linguagem visual sofisticada e simbólica para explorar os temas complexos do filme, combinando elementos de realismo cru com uma sensibilidade poética. Ele utiliza o contraste entre o preto e branco e as cores vibrantes para representar a transição do estado de dormência para uma experiência transcendental. Cada cena é meticulosamente construída, cada quadro uma composição visualmente deslumbrante. Sua abordagem estilística, marcada por uma cinematografia austera e uma trilha sonora minimalista, cria uma atmosfera de suspense e inquietude que permeia toda a narrativa.
Difícil escolher momentos marcantes desse filme. Um deles é a cena de levitação, que encapsula a ambiguidade e o surrealismo que permeiam toda a obra. Essa cena, repleta de simbolismo e metáfora, desafia interpretações e nos deixa imersos em um estado de contemplação e reflexão. Outro momento marcante do filme ocorre quando o patriarca industrial, após doar sua fábrica para os operários, se desnuda na estação ferroviária de Milão. Um ato de libertação e redenção, simbolizando a ruptura com as correntes do materialismo e a busca por uma nova ordem moral.
No entanto, Teorema não está isento de críticas. A narrativa pode ser excessivamente simbólica, dificultando a compreensão para aqueles que não estão familiarizados com a obra de Pasolini ou com suas ideias políticas e religiosas. Além disso, o filme parece datado em sua abordagem do contexto sociopolítico da época, embora suas reflexões sobre a alienação moderna ainda sejam relevantes hoje. Nesse ponto, a natureza provocativa e controversa do filme certamente aliena parte do público, especialmente aqueles que buscam uma experiência cinematográfica mais acessível e direta.
Quando comparado a outros filmes contemporâneos que exploram temas complexos e abordam a sociedade e a psique humana de maneira provocativa e simbólica, como L’année Dernière à Marienbad (1961), dirigido por Alain Resnais, e Persona (1966), dirigido por Ingmar Bergman, Teorema apresenta uma abordagem única e uma narrativa singular. Todos esses filmes compartilham a mesma abordagem surrealista e enigmática, convidando os espectadores a uma jornada emocional e intelectualmente estimulante através de narrativas fragmentadas, performances intensas e uma estética visual arrojada.
Teorema se estabeleceu na história da sétima arte como uma obra-prima do cinema italiano e mundial. Sua relevância e impacto são testemunhos da genialidade de Pasolini e da profundidade de suas explorações artísticas e intelectuais. É um testamento político e religioso de uma era turbulenta. Feito em 1968, um ano de agitação social e mudança cultural, o filme lembra-nos da necessidade de buscar significado além do materialismo vazio e da alienação espiritual. Em um mundo onde os problemas persistem e a esperança por um anjo salvador parece distante, Teorema permanece como um lembrete poderoso da capacidade do cinema de nos confrontar com questões profundas sobre nossa própria existência.
Teorema (Teorema, 1968 / Itália)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Roteiro: Pier Paolo Pasolini
Duração: 98 min.