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Entrevista com o Demônio

Entrevista com o Demônio - filme

Entrevista com o Demônio
(2023) é um dos títulos mais intrigantes e ambiciosos a emergir do recente renascimento do horror demoníaco no cinema. Sob a direção dos irmãos australianos Colin e Cameron Cairnes, o filme se insere em um subgênero já bem explorado, mas traz à mesa um olhar criativo e uma execução técnica que merece ser analisada com atenção. O filme, estrelado por David Dastmalchian, se passa na década de 1970 e adota uma estrutura que combina found footage com um formato de programa de entrevistas, o que confere à obra uma atmosfera singular.

A trama gira em torno de Jack Delroy (David Dastmalchian), um apresentador de talk show que, após alcançar fama e sucesso com seu programa Night Owls with Jack Delroy, vê sua carreira entrar em declínio. Em busca de audiência e relevância, ele decide fazer um especial de Halloween, convidando a parapsicóloga Dra. June Ross-Mitchell (Laura Gordon) e a jovem Lilly (Ingrid Torelli), uma sobrevivente de um culto satânico, para participarem de seu programa. A estrutura narrativa do filme é peculiar, utilizando uma metalinguagem que apresenta o episódio como um documentário resgatado, com cenas inéditas dos bastidores, o que cria uma atmosfera imersiva que vai além do tradicional horror demoníaco.

A ambientação nos Estados Unidos dos anos 1970 é essencial para entender o pano de fundo do filme. A década foi marcada por uma crescente fascinação popular pelo ocultismo e pelo sobrenatural, algo que os irmãos Cairnes capturam de maneira eficaz. O filme se constrói em cima desse clima, enquanto também explora o momento de crise econômica e a desesperança que permeava a sociedade da época. Esse contexto não apenas informa a trajetória de Jack, mas também reflete as ansiedades culturais daquele período. O protagonista, que já foi uma estrela ascendente, encontra-se preso entre a fama e a desilusão, uma trajetória que ecoa a própria queda de uma nação que flerta com o apocalíptico.

Entrevista com o Demônio - filme
David Dastmalchian
, conhecido por seus papéis em filmes como Batman, o Cavaleiro das Trevas e Duna, é o ponto central de Entrevista com o Demônio. Sua interpretação de Jack Delroy é hipnotizante. A complexidade que ele traz ao personagem é notável: Jack é ao mesmo tempo encantador e moralmente duvidoso. Dastmalchian trabalha com nuances sutis, revelando gradualmente as camadas mais sombrias do apresentador, especialmente quando a trama avança para explorar seus traumas pessoais, incluindo a morte de sua esposa, Madeleine, interpretada por Georgina Haig, e sua conexão com uma sociedade secreta. Essa ambiguidade moral torna difícil odiar ou amar completamente Jack, o que é um testemunho da habilidade de Dastmalchian em construir personagens multifacetados.

Laura Gordon, como a Dra. June Ross-Mitchell, também entrega uma atuação sólida, embora menos memorável do que a de Dastmalchian. Ela assume o papel de uma especialista no oculto, que tenta lidar com as forças sobrenaturais em exibição no programa, mas que, de certa forma, permanece distante emocionalmente, o que pode ser interpretado como uma escolha deliberada para manter o mistério ao redor da personagem. Já Ingrid Torelli, no papel de Lilly, é uma surpresa agradável. Com uma atuação que lembra, em alguns momentos, a icônica performance de Linda Blair em O Exorcista (1973), Torelli traz uma vulnerabilidade e uma intensidade que elevam as cenas em que aparece. Sua personagem, uma sobrevivente de um culto, é ao mesmo tempo vítima e instrumento do terror que vai se desenrolando.

Visualmente, o filme é uma obra de arte. A fotografia assinada por Matthew Temple é notável, com uma paleta que evoca a nostalgia dos anos 70. O uso de proporções de tela diferentes para o programa de TV e as gravações de bastidores é um toque inteligente, separando visualmente as duas realidades que colidem durante a narrativa. O found footage, um recurso que já foi explorado à exaustão desde o sucesso de A Bruxa de Blair (1999), aqui ganha um novo fôlego, não sendo usado apenas como artifício para sustos baratos, mas como uma parte integral da narrativa. A tensão é construída de forma lenta e eficaz, com a câmera frequentemente mostrando o que os personagens não podem ver, criando um suspense incômodo que nos mantém absorvidos durante quase todo o tempo.

Entrevista com o Demônio - filme
Mas é justamente no terceiro ato que Entrevista com o Demônio começa a desmoronar. O que começou como uma abordagem meticulosa do terror psicológico e do sobrenatural acaba se rendendo a clichês do gênero. O clímax do filme, que prometia uma resolução catártica para toda a tensão acumulada, acaba caindo em reviravoltas previsíveis e mal executadas. A conclusão, embora funcione em termos narrativos, parece apressada e anticlimática, deixando a sensação de incompletude. É como se os diretores tivessem criado uma expectativa tão alta ao longo do filme que, no momento decisivo, não conseguiram sustentar o peso de suas próprias ambições.

Isso não significa, porém, que o filme seja ruim. Na verdade, Entrevista com o Demônio tem mais acertos do que erros. A construção atmosférica é impecável, e os dois primeiros atos são extremamente bem trabalhados, criando uma experiência que vai além do entretenimento superficial. Além disso, o filme oferece algumas cenas memoráveis, como a sequência em que a câmera quebra a quarta parede, envolvendo o espectador de maneira direta e perturbadora, ou a crescente tensão durante as entrevistas no talk show, onde o sobrenatural e o ceticismo se chocam de maneira inteligente.

Em resumo, Entrevista com o Demônio não reinventa o horror demoníaco, mas encontra maneiras novas e criativas de apresentar uma narrativa já familiar. O grande mérito dos irmãos Cairnes é justamente essa habilidade de brincar com as expectativas do público, inserindo momentos de tensão psicológica que funcionam de maneira brilhante até que a fórmula, infelizmente, se esgote no desfecho. Apesar de seus tropeços no final, o filme ainda é uma experiência válida e interessante, especialmente para os fãs do gênero.

Entrevista com o Demônio é um filme que celebra o poder do suspense e da sugestão e que soube construir tensão como poucos, mas que, infelizmente, não soube o que fazer com essa tensão nos momentos finais. O trabalho visual impecável, as atuações memoráveis de David Dastmalchian e Ingrid Torelli, e a direção inventiva dos irmãos Cairnes fazem deste um filme digno de nota, apesar de seu desfecho pouco inspirado.


Entrevista Com o Demônio (Late Night with the Devil, 2023 / Austrália, EUA, Emirados Árabes Unidos)
Direção: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Roteiro: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Com: David Dastmalchian, Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Ingrid Torelli, Rhys Auteri, Georgina Haig, Josh Quong Tart, Steve Mouzakis, Gaby Seow, Elise Jansen, John O’May, Paula Arundell, Tamala Shelton, Christopher Kirby, John Leary
Duração: 93 min.

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