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Venom: Tempo de Carnificina
Venom: Tempo de Carnificina
Venom: Tempo de Carnificina é um daqueles filmes que só faz sentido quando encarado como uma peça de entretenimento ultrajante e autossuficiente, pouco preocupado em agradar aos críticos ou se encaixar nos moldes do universo cinematográfico convencional. Dirigido por Andy Serkis, o longa parece quase uma carta de amor ao cinema blockbuster despretensioso dos anos 2000, e essa nostalgia carrega o filme tanto quanto a dinâmica turbulenta entre Eddie Brock e seu simbionte Venom. Com um enredo que segue a mesma lógica peculiar e exagerada do primeiro filme, Venom: Tempo de Carnificina é uma sequência que abraça com vontade seu humor estranho, sua estética grotesca e, para o bem ou para o mal, uma liberdade criativa que já quase não se vê no cinema de heróis.
A trama é simples e gira em torno do confronto inevitável entre Venom e seu rival simbiótico, Carnificina, que encontra em Cletus Kasady, um psicopata incontrolável interpretado por Woody Harrelson, seu hospedeiro ideal. Enquanto Eddie tenta recuperar sua reputação jornalística, ele vê sua vida virada do avesso ao cruzar o caminho de Kasady, cujo instinto assassino é elevado a níveis brutais quando se funde ao simbionte. Mas o coração do filme reside não nesse embate previsível entre mocinho e vilão, e sim na complexa relação entre Eddie e Venom, uma parceria que evolui para algo que desafia as convenções de amizade ou hostilidade. Essa escolha de focar o filme na dinâmica incomum entre os dois é arriscada, mas, curiosamente, acaba sendo a força motriz que dá vida e personalidade ao longa.
Tom Hardy, que também assina o roteiro, se diverte como Eddie Brock. Sua entrega ao papel de um jornalista fracassado, tentando manter um mínimo de normalidade com seu simbionte inconveniente, é o que torna o filme irresistível para quem gosta de um humor irônico e ácido. Hardy interpreta Eddie com uma mistura de desespero e cansaço, ao mesmo tempo que lida com a energia caótica de Venom, cuja voz e personalidade ele próprio dubla. Se no primeiro filme ele pareceu ainda hesitante, agora é evidente que Hardy se sente à vontade com o personagem, abraçando plenamente a natureza caótica de Eddie e Venom. Sua atuação entrega ao público a imagem de uma espécie de casal disfuncional — Eddie, contido e frustrado, e Venom, rebelde e impulsivo, presos em um relacionamento de codependência que beira o patético e o hilário.
Serkis, famoso por seu trabalho como ator de captura de movimento, em filmes como O Senhor dos Anéis e Planeta dos Macacos, mostra-se entusiasmado em explorar o lado físico e animalesco dos simbiontes. Sua direção revela uma sensibilidade para os detalhes grotescos e monstruosos dos personagens. No entanto, essa mesma habilidade não se traduz completamente nas sequências de ação, que acabam sendo um ponto fraco do filme. Serkis opta por uma estética de câmera nervosa, o que, embora sirva para capturar a energia selvagem de Venom e Carnificina, também prejudica a clareza das cenas de combate, tornando-as confusas e, por vezes, cansativas. A batalha final, ambientada em uma catedral, deveria ser o ápice da narrativa, mas é prejudicada por enquadramentos que tornam difícil acompanhar cada movimento. Por mais que a ambientação gótica com vitrais coloridos e uma noiva de preto ao fundo seja visualmente interessante, a execução da cena remete mais a uma tentativa de emular o estilo de Zack Snyder do que a um momento icônico do cinema de super-heróis.
O antagonista Cletus Kasady, vivido por Woody Harrelson, tem um potencial arrebatador. Desde os quadrinhos, Kasady é retratado como um personagem violento e sádico, o que abre espaço para um vilão que poderia ser memorável. Harrelson se entrega com entusiasmo ao papel, dando ao personagem uma energia insana e desconexa. Contudo, o roteiro limita sua performance, entregando um Kasady que parece mais uma caricatura do que uma ameaça real. Sua relação com Frances Barrison, interpretada por Naomie Harris, também fica em segundo plano, faltando profundidade e desenvolvimento para que o público compreenda melhor suas motivações. A personagem de Frances, com seus poderes de grito supersônico, poderia ser um complemento intrigante para Kasady, mas sua participação se reduz a poucos momentos, sem explorar o relacionamento que poderia criar um contraste ou enriquecer a história.
O filme, porém, brilha onde menos se espera: na construção de uma personalidade autêntica e absurda. Serkis deixa claro que seu objetivo não é fazer um épico heróico, e sim algo próximo de uma comédia de ação, com Venom servindo como uma espécie de alívio cômico de si mesmo. O resultado é uma obra que rompe com o perfil tradicional dos blockbusters de super-heróis da Marvel, com seu realismo higienizado e storytelling impecável. Venom: Tempo de Carnificina é estranho, datado, muitas vezes propositalmente brega, e celebra essa identidade única sem pedir desculpas. Para alguns, essa abordagem pode ser um respiro de frescor, mas para outros, é um filme que, apesar do orçamento milionário e dos efeitos visuais arrojados, se recusa a se levar a sério.
A trilha sonora e a edição acompanham esse tom exagerado, contribuindo para a atmosfera frenética que perpassa o filme. As músicas são enérgicas e servem bem ao propósito de intensificar a ação e o humor. Porém, a montagem descompassada nas cenas de luta reflete a mesma falta de clareza das decisões de Serkis na direção. Ao tentar capturar o caos, o filme se perde na incoerência. Entretanto, essa falta de coesão narrativa é, de certo modo, perdoada pela natureza ultrajante do filme. Em um cinema cada vez mais saturado de heróis moralmente impecáveis e narrativas polidas, Venom: Tempo de Carnificina assume seu lado desleixado e exótico, lembrando o público que filmes de heróis nem sempre precisam seguir a cartilha.
Esse projeto ousado e bagunçado não seria o mesmo sem Tom Hardy, cuja química com o simbionte é o coração da obra. Ele abraça o papel de forma tão entusiástica que, mesmo nas cenas mais ridículas, sua presença é magnética. Esse comprometimento é o que impede Venom: Tempo de Carnificina de ser apenas um desastre e o eleva ao status de filme cult entre os fãs de heróis. Hardy, ao construir uma versão disfuncional e quase romântica de Eddie e Venom, abre espaço para uma relação que mistura ironia, comédia e momentos de horror, algo que surpreendentemente funciona para os espectadores que se deixam levar pelo absurdo.
Em resumo, Venom: Tempo de Carnificina é um filme que não se preocupa em atender aos padrões estabelecidos ou em seguir a fórmula segura que tantos blockbusters seguem. É um retorno ao que se permite ser um pouco ridículo, um pouco sem sentido, e principalmente, autêntico em sua tentativa de fazer o público rir e se divertir. Mesmo com suas falhas, é uma experiência única, e talvez um indicativo de que ainda há espaço no cinema de heróis para projetos experimentais. É um filme que pede pouco e oferece diversão absurda em troca, uma obra cujo valor está na sua capacidade de entreter sem pretensões — um blockbuster pipocão em sua forma mais crua e, por isso, mais honesta.
Venom: Tempo de Carnificina (Venom: Let There Be Carnage, 2021 / EUA)
Direção: Andy Serkis
Roteiro: Kelly Marcel, Tom Hardy
Com: Tom Hardy, Woody Harrelson, Michelle Williams, Naomi Harris, Reid Scott, Stephen Graham, Peggy Lu, Sian Webber, Michelle Greenidge, Rob Bowen, Laurence Spellman
Duração: 90 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Venom: Tempo de Carnificina
2024-10-29T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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