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Receba!
Receba!
A estreia de Receba! (2021) na cinematografia brasileira chega com frescor, carregando a essência de Salvador em cada frame, sem cair no clichê. Este é um filme que mergulha nas profundezas da cultura soteropolitana, oferecendo uma narrativa policial que se desdobra com elementos de comédia, tragédia e suspense, mantendo-se fiel ao que se propôs. Dirigido pela dupla Pedro Perazzo e Rodrigo Luna, o longa se destaca não apenas pela sua autenticidade, mas também pela maneira como subverte expectativas dentro de um gênero muitas vezes saturado de fórmulas previsíveis.
Desde o início, Receba! estabelece uma conexão visceral, principalmente pelo modo como retrata a realidade de Salvador, fugindo dos cartões postais óbvios e preferindo uma representação mais crua e verdadeira da cidade. Essa escolha estética é um dos pontos altos do filme, refletindo uma Salvador viva, pulsante e, ao mesmo tempo, perigosa. A fotografia de Matheus da Rocha Pereira capta essa dualidade com maestria, usando a luz e as sombras da cidade para criar uma atmosfera que é ao mesmo tempo opressiva e fascinante.
O roteiro, adaptado do livro A Guerra dos Bastardos de Ana Paula Maia, é outro pilar que sustenta a qualidade do filme. A trama, que gira em torno de um ex-ator pornô que se encontra em posse de uma bolsa cheia de drogas, não é apenas uma história de crime e redenção, mas também uma exploração profunda das falhas humanas. Amadeu, interpretado com uma crueza palpável por Daniel Farias, é um personagem multifacetado, cuja desesperança é sentida em cada gesto e palavra. Ele não é um herói no sentido tradicional, mas sim um homem preso em um ciclo de erros e más decisões, tentando desesperadamente encontrar uma saída.
A construção dos personagens em Receba! merece destaque. Cada um deles é único, com motivações claras e personalidades bem definidas, evitando cair em estereótipos fáceis. Gina, vivida por Edvana Carvalho, é uma personagem que exemplifica isso perfeitamente. Uma ex-atriz pornô que busca se reinventar como lutadora, Gina é forte e vulnerável ao mesmo tempo, e Edvana traz uma intensidade emocional que eleva o filme em momentos-chave. Seu arco dramático, no entanto, entra em conflito com o tom mais leve e cômico de outras partes do filme, criando uma dicotomia que, por vezes, nos desafia a ir além da narrativa.
Jackson Costa, como o policial corrupto Edgar, entrega uma das performances mais memoráveis do filme. Seu Edgar é um homem cheio de nuances, capaz de atos de brutalidade extrema, mas também mostrando flashes de humanidade. Costa consegue equilibrar essas duas facetas com habilidade, tornando seu personagem imprevisível e, por isso, fascinante de assistir. Este é um dos grandes trunfos de Receba!: a capacidade de seus atores de imbuir seus personagens com uma vida que transcende o roteiro.
A direção de Pedro Perazzo e Rodrigo Luna merece aplausos pela ousadia. Eles não têm medo de brincar com as convenções do gênero, subvertendo expectativas e mantendo o público constantemente em alerta. Sua decisão de mostrar a história a partir de múltiplos pontos de vista adiciona uma camada extra de complexidade, que é habilmente amarrada pela montagem de Renato C. Gaiarsa. Um filme claramente influenciado pelos filmes de Tarantino, dos irmãos Cohen e de Guy Ritchie, mas sem perder sua identidade brasileira, particularmente baiana.
Um dos momentos mais marcantes de Receba! é a sequência em que Gina foge de uma casa após uma fuga, com a câmera seguindo seu caminho até que sua imagem se reflete no retrovisor de um carro. Este plano, tecnicamente impecável, resume o conflito interno de Gina, presa entre o desejo de escapar de seu passado e a necessidade de lutar por seu futuro. É em momentos como este que Receba! brilha, em detalhes, mostrando a habilidade de seus diretores em criar cenas que são ao mesmo tempo visualmente impactantes e emocionalmente ressonantes.
Por fim, Receba! é um filme que, apesar de algumas imperfeições, merece ser celebrado. Ele demonstra que o cinema brasileiro, e mais especificamente o cinema baiano, está vivo e pulsante, capaz de contar histórias universais. O filme de Perazzo e Luna é uma obra que desafia e brinca com as expectativas e, acima de tudo, se recusa a ser categorizado facilmente. É uma celebração da baianidade sem ser óbvio, uma história policial sem ser banal, e uma comédia que, mesmo tropeçando aqui e ali, consegue arrancar risadas sinceras.
Em resumo, Receba! é um filme que deve ser assistido e apreciado pelo que é: uma ousada tentativa de criar algo novo dentro de um gênero que muitas vezes se contenta em repetir fórmulas. Pedro Perazzo e Rodrigo Luna, ao lado de um talentoso elenco, conseguiram criar um filme que brilha com autenticidade e originalidade, deixando claro que o cinema brasileiro ainda tem muito a oferecer.
Receba! (2021 / Brasil)
Direção: Pedro Perazzo, Rodrigo Luna
Roteiro: Pedro Perazzo
Com: Evelin Buchegguer, Vinicius Bustani, Edvana Carvalho, Jackson Costa, Daniel Farias, Fábio Osório Monteiro, Narcival Rubens, Lúcio Tranchesi, Tânia Tôko, Leandro Villa
Duração: 81 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Receba!
2024-10-18T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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