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Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui - filme

Uma ausência presente. Essa é a situação que a família Paiva tem que enfrentar quando seu patriarca é levado um dia para um depoimento e não retorna. Sem notícias, com negações por parte do governo, Eunice precisa lutar para que reconheçam que seu marido foi vítima da ditadura militar que comandava o país na década de setenta, ao mesmo tempo em que precisava manter sua família em pé.

Assim podemos resumir o enredo de Ainda Estou Aqui, novo filme de Walter Salles que tem conquistado o mundo pelos festivais por onde passa e já se tornou uma espécie de clássico nacional. Após doze anos sem lançar uma obra, o diretor de Central do Brasil tem novamente a missão de levar o nome do Brasil pelo mundo, curiosamente tendo ao seu lado Fernanda Torres, a filha da atriz principal do outro longa-metragem.

Ainda Estou Aqui - filme
Acostumado a road movies, Salles faz agora uma jornada interna, colocando sua protagonista quase enclausurada em uma casa, buscando sobreviver diante de tantas pressões. A maneira como a atriz conduz Eunice em um tom trágico, digno das principais personagens gregas, é louvável. Sua angústia contida, resiliente, mas nunca resignada nos conduz em uma catarse que busca mesmo a elevação da alma diante do sofrimento. Impacta, envolve, impressiona.

Ao mesmo tempo, o roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega é feliz ao construir um primeiro ato bastante extenso, nos ambientando naquele cenário em momentos antes da tragédia, nos fazendo sentir parte daquela família solar, mesmo em um cenário de guerra. As cenas na praia, a alegria da casa sempre aberta e cheia de amigos, a música animada e nacionalista ajuda na construção desse impacto após o incidente. Contrasta com a casa agora fechada, sempre na penumbra, na solidão e vazio.

Impressiona também a reconstituição de época, nos levando a sentir o clima tenso do país no momento mais duro da ditadura com o AI-5. O clima de medo paira no ar em uma simples saída e parada na blitz. Ao mesmo tempo, as pessoas seguem suas vidas, buscando uma normalidade que não existe, mas os faz manter a esperança em dias melhores. Da mesma maneira que o exílio voluntário pode ser uma solução para evitar alguns problemas.

Ainda Estou Aqui - filme
Selton Mello
também merece destaque. Seu Rubens Paiva é construído com uma empatia e camaradagem que nos faz sentir próximo dele. Sua ausência em boa parte da projeção é também construída de maneira impressionante. Sentimos essa ausência presente até o fim, ajudando a progressão narrativa e no envolvimento com a obra. E, claro, a participação especial de Fernanda Montenegro é um plus, não apenas pelo talento e parceria entre mãe e filha, mas por ter, de fato, uma importância dramática, mesmo que os saltos temporais pudessem ser melhor trabalhados.

É curioso também pensar que a obra é baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho caçula que aparece em boa parte da projeção como uma criança quase alheia a tudo. Seu ponto de vista traz essa mãe endeusada, por mais que Eunice demonstre ser mesmo uma mulher incrível. E nem os roteiristas, nem Walter Salles tiram esse ponto da narrativa, por mais que ela traga muito mais do que Marcelo pudesse compreender na época.

Ainda Estou Aqui traz o peso do hype criado em torno de seu nome, mas não decepciona na história que entrega. Há elementos técnicos e estéticos que justificam a qualidade fílmica. Há uma história potente que impressiona e merece ser contada. E há, principalmente, uma verdade que nos conecta e nos faz parte daquela trama, próximas daquelas personagens nos impactando e nos deixando envolvidas com ela, mesmo após a projeção. Que o filme possa percorrer ainda muitos caminhos e vitórias.


Ainda Estou Aqui (Brasil, 2024)
Direção: Walter Salles
Roteiro: Murilo Hauser e Heitor Lorega
Com: Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Selton Mello, Maeve Jinkings, Humberto Carrão, Dan Stulbach
Duração: 135 min.

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