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Fúria Primitiva
Fúria Primitiva
Em um mundo repleto de franquias de ação altamente estilizadas, onde o termo "tipo John Wick" parece se aplicar a qualquer filme de pancadaria contemporâneo, Fúria Primitiva chega como uma intrigante tentativa de adicionar uma camada de substância à fórmula consagrada por Keanu Reeves e Chad Stahelski. Estrelado e dirigido por Dev Patel, o longa transita em um território familiar: vingança, lutas intensas e um protagonista assombrado por um passado sombrio. Contudo, Fúria Primitiva se diferencia ao utilizar esse pretexto para explorar temas profundos como desigualdade social, opressão religiosa e o impacto do sistema de castas na sociedade indiana.
No centro da trama, acompanhamos a trajetória de Kid (Patel), um lutador clandestino em Mumbai que ganha a vida como o Homem Macaco. Com um passado traumático que se desenrola por meio de flashbacks fragmentados, Kid está em uma missão para se infiltrar na elite corrupta da Índia e buscar vingança contra figuras poderosas, como o militar Hanna (Sikandar Kher) e o líder religioso Baba Shakti (Makarand Deshpande). A jornada de Kid não é apenas física, mas também espiritual, à medida que sua busca por justiça se cruza com questões maiores da sociedade indiana.
O que inicialmente pode parecer uma imitação de John Wick logo revela camadas de complexidade. Patel não está interessado apenas em estilizar a violência, mas também em usar o gênero de ação como um veículo para crítica social. Ele aproveita o pano de fundo de Mumbai, com suas ruas caóticas e desigualdade gritante, para destacar a opressão do sistema de castas e a alienação promovida por figuras religiosas que se beneficiam da miséria alheia. O uso da mitologia hindu, especialmente a figura do deus Hanumân, o Deus Macaco, adiciona um simbolismo intrigante à trama. Kid, o Homem Macaco, não é apenas um lutador, mas um arquétipo da resistência contra a opressão.
Dev Patel, em sua estreia como diretor, demonstra coragem ao se afastar de sua zona de conforto no cinema dramático para mergulhar em um gênero conhecido por sua fisicalidade e ritmo acelerado. O filme é uma obra de paixão para Patel, que passou mais de uma década tentando realizar Fúria Primitiva. Há uma autenticidade palpável em sua visão, mesmo que a execução por vezes tropece. Como diretor, Patel mostra um bom senso de escala e atmosfera, especialmente ao retratar o contraste visual entre os bairros mais pobres de Mumbai e os ambientes luxuosos da elite. A cinematografia de Fúria Primitiva é competente, destacando essa dualidade e criando uma ambientação quase sufocante, onde o protagonista se move sempre à beira do colapso.
Contudo, é inegável que a direção de Patel tropeça de vez em quando, especialmente no ritmo narrativo. O início do filme é desajeitado, com uma série de cenas de luta que, em vez de impressionar, acabam submersas em cortes rápidos e enquadramentos tremidos que dificultam a imersão. Para um filme de ação, essa é uma escolha pode ser problemática, já que grande parte da emoção deriva da clareza dos movimentos e da coreografia das lutas. Felizmente, Patel encontra seu ritmo conforme a história avança, e o ato final é muito mais coeso, com sequências de ação mais legíveis e impactantes.
Outro ponto que merece destaque é a atuação de Patel. Ele carrega o filme com um tipo de intensidade contida, que funciona bem dentro do arco emocional de seu personagem. Kid não é um lutador habilidoso ou infalível como John Wick, e isso é uma escolha deliberada e eficaz. A maneira como Patel interpreta as lutas, sempre com uma certa dose de nervosismo e desespero, dá um senso de vulnerabilidade ao protagonista que é raro em filmes de ação. Não estamos assistindo a um mestre em artes marciais em ação, mas a um homem comum lutando por sua vida, o que adiciona realismo ao espetáculo violento.
Em termos de elenco, há poucas caras conhecidas no ocidente, além de Patel e Sharlto Copley, que interpreta um personagem envolvido nas lutas clandestinas. No entanto, o ator que mais se destaca ao lado de Patel é Vipin Sharma, no papel de Alpha, o líder da comunidade hijra que auxilia Kid em sua jornada. A introdução dessa comunidade ao filme, composta por pessoas do terceiro gênero na cultura indiana, é um dos pontos mais interessantes e inesperados da trama.
Se há um momento marcante em Fúria Primitiva, ele ocorre justamente no encontro de Kid com Alpha e sua comunidade. É nesse ponto que o filme se transforma, saindo do terreno familiar da vingança por vingança e entrando em um território mais espiritual e simbólico. A partir desse encontro, Kid passa a encarnar não apenas um vingador, mas um símbolo de resistência contra as injustiças sistêmicas de seu país. Essa virada, que poderia ter sido tratada de forma superficial, é conduzida com a seriedade necessária, dando ao filme uma profundidade emocional que o diferencia de outras produções de ação.
No entanto, o roteiro de Fúria Primitiva, escrito por Patel em colaboração com John Colle e Paul Angunawela, carece de originalidade em alguns momentos. Muitos dos arcos de redenção e superação que vemos em Kid são previsíveis, e os flashbacks da infância do personagem, embora úteis para entender suas motivações, acabam se tornando cansativos pela repetição. O drama social, apesar de bem-intencionado, por vezes se dilui em uma narrativa que não consegue equilibrar perfeitamente a ação frenética com os temas mais pesados de desigualdade e exploração.
Mesmo assim, Fúria Primitiva é um filme que vale a pena ser visto. Dev Patel, em sua estreia como diretor, demonstra potencial e ambição. Embora não tenha atingido todas as suas metas, ele certamente criou uma obra diferenciada, que combina a adrenalina do cinema de ação com uma reflexão provocativa sobre as realidades sociais da Índia contemporânea.
No fim das contas, Fúria Primitiva não é apenas "mais um filme tipo John Wick". É uma obra que, apesar de suas falhas, busca algo maior. Patel, tanto na frente quanto atrás das câmeras, entrega um filme com coração, ainda que precise de mais refinamento técnico para se destacar por completo em um mercado saturado de filmes de ação.
Fúria Primitiva (Monkey Man, 2024 / EUA, Canadá, Singapura, Índia)
Direção: Dev Patel
Roteiro: Dev Patel, Paul Angunawela, John Collee
Com: Dev Patel, Pitobash, Jatin Malik, Sikandar Kher, Sobhita Dhulipala, Makrand Deshpande, Jomon Thomas, Pehan Abdul, Brahim Chab, Ashwini Kalsekar, Vipin Sharma, Adithi Kalkunte
Duração: 121 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Fúria Primitiva
2024-12-04T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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