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A Substância

A Substância - filme

Tem uma propaganda em que a Dove demonstra como o padrão de beleza feminino é construído pelo mercado publicitário. Uma jovem com um rosto normal, tem sua imagem alterada pela maquiagem e depois por um programa de computador, resultando em uma mulher deslumbrante, mas irreal. Olhar para ela é reforçar em todas as mulheres do mundo que elas nunca serão belas o bastante.

Essa construção simbólica nos persegue em diversos aspectos em um mundo patriarcal, machista e muitas vezes, misógino. Não é fácil ser mulher. E isso não é uma crença ou mimimi, é uma constatação de como somos exigidas ao extremo. Estamos sempre tendo que provar mais que os homens. E somos proibidas de envelhecer. Afinal, é na juventude que reside a beleza dos padrões do mercado.

É nesse cenário que surge A Substância, filme de Coralie Fargeat que vai levar a discussão a extremos e alegorias que parecem irreais, mas, no fundo, traduzem a crueldade mascarada que existe na indústria do entretenimento. A cena inicial com a estrela na calçada da fama é um resumo extremamente feliz disso. Reforçando que o tempo é sempre cruel para quem vive do sucesso imediato.

A Substância - filme
Assim é Elisabeth Sparkle, uma atriz que já teve seu auge em Hollywood, a ponto de ganhar um Oscar. E que hoje, após uma certa idade, protagoniza um programa fitness na televisão. Apesar de ainda ter audiência, o diretor vivido por Dennis Quaid sentencia que ela já passou da idade e está em busca de uma jovem para substituí-la.

Ter Demi Moore no papel de Elisabeth é um dos grandes acertos da obra. Não apenas pela grande entrega da atriz que nos passa toda a angústia e desespero da personagem. Mas, porque a atriz de grandes papéis no passado, passou também os últimos anos lutando contra o próprio envelhecimento. Ver Moore em tela, nos reforça a crueldade desse sistema real. Em especial pela maneira como ela própria se pune e se cobra por não estar no padrão desejado, a exemplo da cena da maquiagem no espelho.

A Substância - filme
No outro extremo está Margaret Qualley, que interpreta a versão jovem Sue. Uma jovem que parece moldada por computadores, a exemplo do clássico da Sessão da Tarde, Mulher Nota Mil. A própria atriz disse que seu corpo jovem foi modificado na pós produção para ficar ainda mais perfeito. O jogo que a substância dispara ao fazer essas duas mulheres coexistirem é uma metáfora perfeita do que abate a maioria das mulheres que buscam se encaixar. O desespero por ser desejada, o ódio mútuo, a ânsia por aproveitar todos os momentos. “Vocês são uma só”, lembra a voz misteriosa. Mas como se reconhecer na outra, quando esta lhe parece uma inimiga a ser abatida?

Coralie Fargeat é hábil em demonstrar todas essas angústia em tela a partir de um roteiro de thriller com doses de ficção científica. Busca referências em clássicos como Psicose, como na cena da queda no banheiro. O Iluminado com seu corredor simétrico e em outros surtos. Carrie, a estranha na sequência final, entre outros. Mas o verdadeiro terror é interno. Nos gatilhos que dispara em quaisquer mulher que encare a projeção de mais de duas horas.

Ainda que a fantasia vá sendo escalada a ponto de nos tirar da imersão para questionar se não está exagerado o desfecho, A Substância consegue seu objetivo de nos fazer refletir sobre padrões. Mais do que isso, se propõe a construir uma catarse histórica, mesmo que a repulsa não resulte em mudanças propositivas. O filme é um desabafo. E como tal, merece ser louvado.


A Substância (EUA, 2024)
Direção: Coralie Fargeat
Roteiro: Coralie Fargeat
Elenco: Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Edward Hamilton-Clark, Gore Abrams, Oscar Lesage, Christian Erickson, Robin Greer, Tom Morton, Hugo Diego Garcia
Duração: 141 min.

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