O período da pandemia do Covid-19 foi mesmo assustador, inclusive para artistas, que ficaram, a maior parte do tempo, impossibilitados de produzir ou exibir seus trabalhos fora da tela do computador. Era de se temer que muitas obras fossem construídas sobre a temática, mas houve um movimento contrário, com a maior parte das pessoas querendo esquecer aquele momento. Carcaça, novo filme de André Borelli, apesar de se aproveitar desse momento, busca ir além em sua narrativa.
Aqui temos um casal, Davi e Lívia, isolado em sua casa durante a pandemia e tendo que lidar com seus próprios fantasmas. Com interpretação convincente de Paulo Miklos e Carol Bresolin, acompanhamos suas rotinas entediantes de enclausuramento, que acaba por construir consequências mentais, a ponto de não mais sabermos o que é realidade e o que é delírio.
A fotografia em preto e branco, ajuda a construir essa atmosfera angustiante de algo fora do normal. E os planos próximos e close nos dão, muitas vezes, a sensação de sufocamento, aproximando ainda mais da sensação das personagens. Os poucos momentos de respiro estão nas cenas do jardim da casa e piscina, mas mesmo assim, não chega a ser suficiente para um alívio maior.
Como experiência estética, é instigante a maneira como a projeção vai nos envolvendo, assim como as escolhas de direção. Porém, fica uma sensação de vazio diante da obra, como se nada ali fizesse mesmo muito sentido ou nos levasse a algo mais do que uma experiência curiosa. Não temos tempo para conhecer de fato nenhum dos dois, a ponto de construir uma relação que nos faça compreender a escalada da loucura ou se já eram assim antes. A própria referência de Davi lendo Sartre não é aprofundada, ficando quase como um fetiche.
Mesmo a experiência delirante acaba sendo um recurso repetitivo que não nos leva a lugar algum, acabando por se tornar cansativo. Diversas obras já construíram esse terror psicológico de maneira mais convincente e com reviravoltas mais instigantes. Ainda que os atores estejam bem, em determinado momento, parece que a construção dos delírios flertam com um tom caricato que também nos tira da tensão.
De qualquer maneira, é um experimento audiovisual que tem bons momentos. Construído em cima de medos e dores que muitos de nós tivemos em meio ao isolamento. A perda da razão, as relações tóxicas em uma situação de clausura, o medo de não ter mais a noção da realidade. De uma forma ou de outra, Carcaça nos toca e faz refletir, principalmente após a projeção, relembrando nossas próprias experiências.
*Disponível nas plataformas de aluguel: Total Play, Apple, Net Now, Youtube, Vivo, Amazon, Claro Video, Google Play.
Direção: André Borelli
Roteiro: André Borelli
Com: Paulo Miklos e Carol Bresolin
Duração: 70 min.